Estado lança plano de ação pioneiro no enfrentamento ao racismo no sistema prisional
O documento dispõe das diretrizes de atuação específicas aos servidores penitenciários, pessoas privadas de liberdade e egressos
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O governo do Estado, por meio da Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) e da Polícia Penal, lançou, na quarta-feira (13/11), o Plano de Ação Estadual de Enfrentamento ao Racismo no Sistema Prisional. O Rio Grande do Sul é o primeiro estado brasileiro a lançar uma política específica para o combate ao racismo no âmbito do sistema prisional. O documento aborda as ações e diretrizes a serem implementadas na esfera da questão racial para servidores penitenciários, pessoas privadas de liberdade e egressos. O evento ocorreu na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, e foi transmitido para servidores e público externo.
O plano de ação foi elaborado pela Comissão Permanente de Elaboração, Monitoramento e Implementação da Política Penal de Enfrentamento ao Racismo no Âmbito do Sistema Prisional. A criação e implementação do plano atende a recomendações da Nota técnica, de novembro de 2022, que dispõe da Política de Enfrentamento ao Racismo no Âmbito do Sistema Prisional gaúcho.
Para o secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Luiz Henrique Viana, que participou da abertura do evento, implementar uma política como essa no sistema prisional é fundamental para começar a mudar a realidade. “O governo do Estado tem o compromisso de promover ações de combate ao racismo em todas as áreas. No sistema prisional, não é diferente. Reafirmamos o nosso dever com essa política pioneira, que trará diversos benefícios. Com iniciativas assim, seremos capazes de gerar grandes mudanças no âmbito prisional, garantindo que o sistema seja um lugar em que todas as pessoas tenham sua dignidade respeitada”, afirma Viana.
As orientações do plano incluem o desenvolvimento de iniciativas nas áreas da educação, da cultura, da qualificação profissional, do trabalho, da saúde e da regulamentação de procedimentos para pessoas privadas de liberdade e egressos do sistema penal.
A diretora do Departamento de Tratamento Penal, Rita Leonardi, reiterou o compromisso da Polícia Penal com a política de enfrentamento ao racismo. “É com muita satisfação que o Departamento de Tratamento Penal participa deste momento histórico, com o lançamento do Plano de Ação Estadual de Enfrentamento ao Racismo. A questão, que diz respeito à cidadania de uma ampla população do Rio Grande do Sul, é uma diretriz já trabalhada no sistema prisional do Rio Grande do Sul e que agora adquire um estatuto de prioridade. Isso vem ao encontro das políticas internas da Polícia Penal, incrementando ainda mais o cuidado e a busca de uma sociedade mais inclusiva e plural", salientou.
Também participaram do evento de lançamento o desembargador Marcelo Machado Bertoluci, presidente do Fórum Interinstitucional Carcerário do RS, a promotora de Justiça Ana Carolina de Quadros Azambuja, o secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Fabrício Peruchin, a secretária da Educação, Raquel Teixeira, o chefe de Polícia, delegado Fernando Sodré, e o secretário-adjunto de Sistemas Penal e Socioeducativo, Cesar Kurtz, além de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção RS, da Procuradoria-Geral do Estado, da Ouvidoria-Geral do Estado e do Movimento Vidas Negras Importam.
Educação como base de políticas voltadas a apenados e egressos
No Rio Grande do Sul, em outubro deste ano, das 46.204 pessoas privadas de liberdade custodiadas, 15.479 se autodeclararam como pretas e pardas, das quais 906 são mulheres e 14.573 são homens, o que representa 33,5%, segundo dados do Infopen-RS, sistema que gerencia as informações penitenciárias do Estado.
Vale ressaltar que a população negra (pessoas autodeclaradas pretas e pardas) se encontra, proporcionalmente, em maior quantidade no sistema prisional gaúcho do que na população em geral, uma vez que corresponde a apenas 21,2% dos habitantes do Rio Grande do Sul, de acordo com os informações do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Dentre as ações voltadas a essa parcela, estão o incentivo à educação formal e à alfabetização, a partir da atuação entre Polícia Penal, SSPS e Secretaria da Educação, responsáveis pela execução administrativa e técnica das políticas voltadas aos apenados, pela coordenação política penitenciária e pela manutenção dos estabelecimentos de ensino que atendem a população carcerária dos 29 Núcleos Estaduais de Educação de Jovens e Adultos (Neejas) do Estado ou em uma das 36 turmas descentralizadas.
Conforme informações do relatório de educação prisional da Polícia Penal, o Rio Grande do Sul apresenta um total de 3.993 pessoas custodiadas inseridas no processo de educação formal em outubro de 2024, o que representa 9,2%. Dentre estes, há 563 pessoas negras estudando nos Neejas.
Contudo, cerca de 58% do total de 46.204 pessoas privadas de liberdade declararam não ter ensino fundamental completo no momento do ingresso no sistema prisional, o que representa um baixo nível de escolarização.
A proporção de apenados negros é maior do que a de não negros quando somados os níveis de instrução mais baixos – analfabetos, alfabetizados e ensino fundamental incompleto – e os níveis do Ensino Fundamental e Ensino Médio incompletos, correspondendo a 90% do total.
Para mudar esta realidade, a criação de cotas em cursos profissionalizantes, Ensino Superior e em atividades de práticas sociais educativas para homens e mulheres negras, complementam as propostas de atuação na área da educação.
Em relação ao atendimento às pessoas egressas do sistema penal, são previstas capacitações a conselheiros penitenciários, planejamento e execução de ações específicas a esse público, além da inserção de quesitos pertinentes ao recorte racial nos instrumentos de inspeções realizadas no Estado.
Acesso à religião e saúde nos estabelecimentos prisionais
Buscando combater a discriminação e promover a assistência religiosa, em conformidade com a Lei de Execução Penal, ações de incentivo ao acesso de religiões de matriz africana e demais confissões religiosas também foram pensadas. O plano busca realizar parcerias com instituições religiosas, por meio do diagnóstico das necessidades de cada Região Penitenciária e do mapeamento das assistências religiosas prestadas em unidades prisionais.
A diretriz atende as orientações da Resolução nº 34 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que dispõe sobre as recomendações referentes à assistência sócio-espiritual e à liberdade religiosa das pessoas privadas de liberdade. A resolução reafirma os direitos fundamentais de liberdade de consciência, crença e expressão das pessoas custodiadas pelo Estado, e estabelece os deveres da administração penitenciária no tratamento a grupos religiosos.
Em outubro deste ano, segundo dados do painel com dados do perfil da população em situação de privação de liberdade, 25.432 apenados buscaram atendimento médico, correspondente a 54,8% da população carcerária. O atendimento à população negra privada de liberdade será repensado a partir do mapeamento de doenças e afecções que atingem essa população, em parceria com secretarias municipais.
A saúde da mulher e de grupos específicos será debatida em ações integradas com parceiros, como o Comitê Estadual de Atenção às Mulheres Privadas de Liberdade. Em outubro, 2.644 mulheres privadas de liberdade buscaram atendimento de saúde no sistema prisional, o que corresponde a 91,7% do total de apenadas no Estado.
Políticas específicas aos servidores penitenciários
Para os servidores penitenciários, o plano dispõe de orientações sobre a realização de capacitações e formações continuadas e adoção de ações afirmativas que assegurem a proibição de atos discriminatórios nos espaços do sistema prisional.
Atualmente, a Polícia Penal tem um quadro de 5.881 servidores, em que 632 se autodeclaram negros, ou seja, 10,7% dos servidores. Contudo, em outubro de 2022, esse percentual era de 8,8%. A autodeclaração passou a ser exigida pelo Estado apenas em 2011, por meio da Lei 13.694, portanto, é possível que haja uma subnotificação de autodeclarações.
O cadastro dos servidores é o primeiro passo para se reverter a subnotificação da autodeclaração racial, a partir de campanhas que sinalizam a sua importância. Além disso, as ações afirmativas serão construídas de maneira integrada com demais secretarias de Estado, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e organizações da sociedade civil.
Para incorporar a luta antirracista na formação e na carreira dos servidores penitenciários, o plano prevê a inclusão de disciplina sobre o enfrentamento do racismo contra pessoas negras no curso de formação e o incentivo ao acesso a vagas em cargos de chefia para servidores negros na Polícia Penal e na SSPS.
Durante o evento, também foram apresentadas iniciativas específicas para as regiões penitenciárias e unidades prisionais especiais, como a Cadeia Pública de Porto Alegre e o Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional. As equipes das delegacias penitenciárias realizaram levantamento de dados, mapeamento de lacunas de atuação e ações desenvolvidas, com o objetivo de fomentar parcerias e complementar o plano de ação estadual, a partir das particularidades de cada região.